Conflitos no casal e as crianças
Um conflito surge quando pelo menos duas pessoas têm posições e entendimentos opostos sobre um determinado tema, evidenciando essa diferença de uma forma pouco confortável para a relação entre ambos. Em contexto de conjugalidade, em que duas pessoas convivem entre si em grande parte do tempo, a probabilidade da existência de conflitos é maior.
Porquê? 1) Porque os desafios a que estamos sujeitos nos dias de hoje são cada vez mais complexos e inesperados; 2) o ritmo que a vida nos impõe leva a que tenhamos de tomar uma posição sobre temas, muitas vezes sem o devido tempo de reflexão; 3) porque quanto mais tempo passamos com uma determinada pessoa, mais interação existe entre ambos e mais provável é existirem situações para resolver e decisões para tomar, sendo neste contexto que as diferenças na forma de pensar vêm à tona.
Factores externos ao próprio casal, vividos muitas vezes em contexto profissional, são potenciadores de estados emocionais que são transportados para o contexto familiar e que criam as condições ideais para que uma qualquer diferença de opinião seja rapidamente escalada para uma discussão menos amigável. O nascimento de um filho é outro fator potenciador de contextos de conflito. Infelizmente, na maioria das vezes, os progenitores não se encontram preparados para a vinda de uma nova vida ao mundo.
Aqui urge reflectir sobre o que leva um casal a evidenciar tantas vezes posições diferentes entre si e o que poderá ser feito antecipadamente para diminuir a “distância” que existe entre a forma de pensar de ambos. Esta reflexão daria para um outro artigo de várias páginas, no entanto, existem alguns pontos que surgem logo à partida, como por exemplo, educações diferentes, valores e princípios de vida diferentes que não foram validados durante o namoro.
O que poderia ter acontecido antes era existir um aprofundado conhecimento entre ambos daquilo que é a forma de ver alguns aspectos da vida quotidiana enquanto casal, como por exemplo: finanças em contexto conjugal, educação dos filhos, gestão das relações com os parentes mais próximos e amigos… Enfim, conhecerem-se verdadeiramente um ao outro de forma a que pudessem, no início da relação, perceber claramente a forma de pensar de cada um em aspectos que, mais à frente, serão fundamentais na vida enquanto casal.
No momento em que o casal está constituído efetivamente e a dinâmica entre ambos se aprofunda, há que acautelar uma das próximas etapas das suas vidas: o nascimento do(s) filho(s). A partir desse momento, deixarão de estar sozinhos dentro de casa e conforme o(s) filho(s) vão crescendo há que considerar seriamente a forma de comunicar e agir na presença deles. Já não se trata apenas da relação entre casal e das consequências para eles mesmos, mas agora também o impacto que o exemplo deles vai ter nas crianças, até porque eles mesmos, os filhos, poderão ser motivo do próprio conflito.
Como gerir isto tudo no que diz respeito à dimensão espacial da convivência dentro de 4 paredes?
Há quem incentive que os filhos devem ser envolvidos na vida quotidiana e que deve existir transparência para que um filho entenda os desafios dos Pais. Claro que sim!
A questão é: estamos aqui a falar da dimensão do conflito e de situações em que os Pais não se encontram de acordo, potenciando dinâmicas comportamentais menos positivas para quem presencia. Será que isto deve ser misturado com a tal transparência e envolvimento dos filhos?
Envolver um filho nas tarefas familiares, em pequenas decisões importantes para ele, falar abertamente sobre temas sensíveis dos dias de hoje (sexualidade, bullying,…), sim claro que sim! Mas no que diz respeito a situações menos positivas e geradoras de confusão na cabeça de uma criança, essas deverão ser evitadas e tratadas com outro cuidado.
A criança tem nos Pais os exemplos de como se deverão comportar quando começarem a interagir em sociedade, e isso terá impacto no futuro enquanto adultos. Devem então os pais protegerem os filhos de situações que possam distorcer aquilo que é a imagem que eles devem ter de uma relação parental positiva. A parentalidade também é liderança dentro de casa e se os filhos presenciarem situações menos positivas, isso pode colocar em causa essa liderança e o respeito que deve prevalecer em contexto familiar.
O comportamento do casal servirá de modelo para as crianças que, enquanto futuros adultos, serão uma extensão daquilo que vivenciaram na juventude. O casal deve preservar a imagem que os filhos vão construindo de ambos os progenitores e nunca colocar em causa um ao outro, arriscando a boa relação que deve ser preservada entre filhos e progenitores. A imagem que um filho cria de um progenitor é sagrada e assim deve ser mantida sob pena de estar a ser colocado em causa o futuro da própria criança enquanto futuro progenitor.
Envolver um filho num conflito com objectivo de tirar partido de uma suposta melhor relação face ao outro progenitor é algo perigoso para o normal desenvolvimento da criança e sob pena de um dia se “virar o feitiço contra o feiticeiro” como diz a gíria popular.
Como foi referido antes, um filho pode ser o motivo do conflito e, neste cenário, é de especial importância que a criança não perceba isso, sob pena de poder vir a sentir-se culpada pelo que está a presenciar com os correspondentes danos emocionais que advirão daí. Como tal, a gestão de conflitos associada ao exercício da parentalidade é um dos principais desafios que se coloca às famílias.
O que fazer então em caso de conflito iminente para proteger o lado da criança? Ficam aqui algumas dicas:
- O casal deve assumir que vão existir situações de conflito e, antecipadamente, definirem entre si como se devem comportar na presença de crianças.
- Procurar os momentos certos para abordar determinados temas que podem potenciar conflito, por exemplo, aproveitar momentos em que se encontram sozinhos e as crianças estiverem a dormir.
- Se o conflito acontece e um filho acaba por presenciar o tempo suficiente, devem parar a discussão de imediato. Mal seja oportuno, conversem os dois com a criança, explicando o que aconteceu de uma forma positiva e tranquilizadora.
- Uma coisa é proteger a criança de presenciar a momentos de conflito, outra coisa é evitar falar com ela sobre o assunto. O casal deverá, em momentos oportunos, conversar com a criança sobre o tema de uma forma aberta e positiva, até porque ela mesma vai viver esse tipo de situações no seu futuro enquanto jovem, adolescente e adulto.
Ambientes familiares fortes em termos emocionais criam melhores condições para jovens fortes emocionalmente e, consequentemente, melhores futuros adultos.
Vamos colocar sempre a criança no centro das atenções e agir de forma a que o seu real interesse seja evidenciado em todos os momentos: nos bons e nos maus. E se for necessário, assumir que é preciso ajuda e procurá-la o quanto antes, junto de profissionais devidamente qualificados.
Melhores pessoas, melhores famílias e uma melhor sociedade!
Álvaro Magalhães
Consultor e Coach IHTP