O treino da tomada de decisão do árbitro de Futebol
Arbitrar é uma tarefa complexa que requer um conhecimento exaustivo das leis do jogo, a par de uma excelente preparação física para acompanhar o jogo e cada lance e, ainda, um conjunto de habilidades psicológicas para enfrentar com êxito os treinos e as competições. Independentemente das novas tecnologias que se vão introduzindo no futebol para ajudar o árbitro nas suas decisões, considera-se que a chave do sucesso reside sobretudo na melhoria do treino psicológico para que a tomada de decisão seja melhor e mais assertiva. O treino psicológico consiste em dotar os árbitros de uma série de estratégias psicológicas para que adquiram as habilidades para poderem enfrentar os treinos e as competições da melhor forma possível, sendo um trabalho dirigido a aumentar o seu rendimento e o seu bem-estar.
O árbitro deve planear uma série de objetivos ao longo da época utilizando os mesmos princípios da componente física e dividir esses objetivos em microciclos, mesociclos e macrociclos. A maior parte dos especialistas no campo do treino desportivo afirma que os dois elementos fundamentais para se poder chegar à elite são a carga genética e o treino. O treino pressupõe várias componentes como a física, a técnica, a tática e a psicológica. Dentro desta última entende-se que é fundamental fazer uma preparação pessoal e individual, mas também é necessário preparar psicologicamente a própria competição, podendo-se diferenciar três fases distintas: a pré-competição, a competição propriamente dita e a pós-competição.
Pré competição – Estabelecer uma série de rotinas para se concentrar exclusivamente naquilo que é importante, controlando os seus pensamentos no essencial em detrimento dos pensamentos que possam ser negativos e prejudiciais. A forma mais eficaz de atingir um ótimo estado mental para a competição é pensar na competição unicamente quando o árbitro achar que é conveniente. Estabelecer momentos concretos para preparar a competição, utilizando o resto do tempo para realizar atividades que sejam distrativas e relaxantes.
Competição – O objetivo último da preparação psicológica da competição é conseguir um estado ideal para render o máximo, segundo Jackson e Csikszentmihalyi (2003), baseando-se nas experiências e competições de desportistas de alto nível, sendo este estado designado por flow e caracteriza-se por: equilíbrio desafio-habilidade, fusão ação-atenção, metas bem definidas, feedbacks, concentração na tarefa, sensação de controlo, perda de consciência do próprio ser, transformação do tempo e experiência autotélica. Na mesma linha, Hanin (2000) refere-se aos desportistas que alcançam rendimentos adequados quando se situam naquilo que se denomina “zona de ótimo funcionamento”. Este estado é fácil de identificar nos árbitros quando, no terreno de jogo, se encontram envolvidos a 100% no jogo, sem se importar com tudo o resto, concentrando-se unicamente na execução da tarefa.
Pós competição – Este período fundamenta-se na análise da atuação do árbitro e da sua equipa. Refletir sobre os aspetos positivos e negativos da sua atuação para concluir quais as possíveis soluções e aprendizagens para o próximo jogo. No fundo, o que se fez bem, o que se fez mal e como melhorar.
O treino do árbitro de futebol deve abarcar todos os fatores que intervêm no seu rendimento. Para atender às exigências de uma partida de futebol deve treinar os aspetos físicos, técnicos, tácitos e psicológicos (Balaguer, 2002).
Em conjunto com estas áreas de rendimento deve-se ter em conta outros elementos como a acuidade visual e auditiva, uma dieta equilibrada, períodos de descanso e sono apropriado e estabilidade em relação aos problemas familiares, profissionais e académicos (Gonzalez-Oya & Dosil, 2003). Independentemente da individualização que um programa de treino tem de ter, segundo Gonzaléz-Oya é necessário que um árbitro de futebol domine as seguintes habilidades psicológicas básicas: controlo da motivação, controlo da ativação, controlo da atenção, autoconfiança e habilidades comunicativas. Os árbitros que dominem de forma automática o controlo destas habilidades podem pensar em treinar as habilidades psicológicas avançadas, autocontrolo e tomada de decisão. Neste sentido Gozález-Oya propõe um modelo hierárquico que ordena as habilidades psicológicas necessárias para dirigir um encontro de futebol. Este modelo estrutura-se em três níveis:
A tomada de decisão (corresponde à manifestação externa da conduta do árbitro, decidir) representa o nível mais alto do modelo, onde a decisão do árbitro influencia e é influenciada por todos os outros componentes do modelo. O autocontrolo liga as habilidades básicas à tomada de decisão, ou seja, a tomada de decisão pode ser afetada diretamente pela falta de controlo que pode existir nas habilidades básicas.
O nível central deste modelo é ocupado pelas habilidades básicas que os árbitros devem possuir.
A atenção e a concentração são fundamentais, sendo que qualquer lapso atencional, devido a um estímulo externo (p.ex., cânticos do público), poderá afetar negativamente a tomada de decisão. Portanto, controlar a atenção e a concentração minimiza a possibilidade de distração. A autoconfiança é fundamental, sobretudo na arbitragem de jogos de grau de dificuldade elevada, com níveis elevados de pressão. Esta habilidade permite que o árbitro seja menos influenciado pelo contexto em que se encontra quando arbitra. A comunicação verbal e não verbal com os jogadores também é muito importante, permitindo ser mais ou menos respeitado por eles. O controlo do nível de ativação também é importante, influenciando, sobretudo, se for muito alto (nervosismo) ou muito baixo (apatia).
No nível inferior deste modelo situa-se a motivação que exerce uma influência decisiva sobre as habilidades básicas, no sentido de as influenciar positivamente ou negativamente. A motivação é o autêntico motor do árbitro tanto para os treinos como para os jogos. O treino psicológico deve seguir a ordem deste modelo,
começando com o fortalecimento da motivação e prevenção do esgotamento, para passar posteriormente a treinar o resto das habilidades básicas. Uma vez adquirido um bom controlo destas podem-se aprender as avançadas (González-Oya, 2004).
Muitas destas referências a habilidades feitas, podem ser treinadas e cruzam com uma área de conhecimento muito interessante e que é uma tendência crescente para quem quer triunfar nesta e noutras áreas pessoais e profissionais; falamos da Programação Neurolinguística e se quiser aprofundar mais basta seguir-nos aqui.
Pedro Henriques: Ex-Árbitro de Futebol e atual comentador desportivo
Colabora atualmente com Academia Desporto IHTP